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Gustavo Rezende

Regina Teixeira de Barros

Nos quase dez anos de interesse pelas formas tridimensionais, a produção de Gustavo Rezende pode ser dividida em dois momentos. Inicialmente suas peças são ‘duplos’: duas formas por assim dizer iguais, postas lado a lado ou unidas entre si. Cada escultura é composta por formas semelhantes, tal qual uma equação matemática cujos termos se equivalem. São formas arquetípicas, como casas ou torres estilizadas, bastões e cajados, dorsos e ‘ossos’ em madeira ou madeira revestida. Mas os trabalhos não se atêm ao puro formalismo. Ao contrário, eles são apenas o ponto de partida — e de chegada — para um jogo, anunciado pelos títulos das obras. A identidade entre os termos é apenas visual, visto que os títulos lançam o observador para outra dimensão: a do jogo intelectual. É o título que fisga o observador e propõe enigmas a ser se não resolvidos, ao menos progressivamente elaborados.

O título desencadeia um processo de associações com a finalidade de determinar em que medida os termos propostos são análogos. Assim, nos perguntamos o que há de comum entre O imperador e seu dorso, entre The Hut and Our Lives ou entre O destino e a razão. Em que medida O observador e o ponto de fuga são a mesma coisa? O artista e o mundo animal são visualmente dois termos iguais de uma equação, mas onde reside tal equivalência? A provocação está feita. E as respostas invariavelmente se afastam do território das artes plásticas e adentram o reino da literatura, da filosofia, da religião (Cam e Sam), da memória (Fratelli e sorelli) ou das fantasias pessoais (The Princess and her Fate).

À pergunta lançada, o observador busca soluções próprias e retorna novamente ao objeto à sua frente, averiguando a síntese visual proposta pelo artista, num jogo circular, em que a obra é ao mesmo tempo ponto de partida e chegada.

Os ‘duplos’ são peças de parede, derivadas, por sua vez, do desenho e da pintura. A partir de 1995, a escultura perde a timidez e se apossa do espaço. Pai e filho (1991/92) é composta de duas cabeças estilizadas, um de madeira, outra de bronze, ambas peças de parede; agora Pai (1996) é um falo de madeira, sobre uma base, que se mantém em pé graças às firmes garras de uma morsa. Da mesma maneira, a Cabeça agigantou- se. Cheia de articulações, sai da parede e, pesada, repousa no chão.

A instalação apresentada no Espaço Cultural Sergio Porto (Rio de Janeiro, 1996) inverte relações previsíveis: os vasos/urnas (compostos por acúmulo de círculos recortados em papel corrugado) não contêm nada: nem flores, nem poções, nem ossos. Perdem sua funcionalidade e sua ancestral ligação com a terra. Sustentados por cabos de tensão, adquirem uma leveza que desafia não apenas o efeito da lei da gravidade como também configura a improvável suspensão do tempo.

Nos backlights Nine Feet Sculpture e Sem título (coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo), Rezende continua suas pesquisas tridimensionais. Fazendo uso de imagens fotográficas—desde sempre planas—, provocantemente apresenta-as com um volume, criado pela caixa de luz. Dentro da diversidade de materiais, técnicas e perspectivas adotadas pelo artista, há um denominador comum em todos os momentos de sua produção: tanto na sua ‘matemática romântica’ quanto nas obras mais recentes, um fio de humor sutil perpassa o conjunto.

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[Texto publicado no livro Gustavo Rezende: Uma antologia por Tadeu Chiarelli. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.]

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