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Squeeze ou Geografia Negra

Fernando Oliva

Nas noites de festa que marcam as aberturas de mostras no Centro Universitário Maria Antonia é comum que o público se aglomere no hall do segundo andar, campo tático da sociabilização onde é permitido beber, falar alto e gesticular à vontade, enquanto se observa através de portas de vidro “o outro lado”, o espaço expositivo, local onde as bebidas são proibidas e nos movemos com discrição, sem exageros, vigiados por câmeras e seguranças. A arquitetura pressupõe certo espaço para as relações sociais e, com o tempo, criamos rituais específicos, espécie de liturgia que rege o comportamento do corpo e dos sentidos. Squeeze ou Geografia Negra, de Gustavo Rezende, introduz um complicador neste hábito, ao criar um espaço negativo internamente ao lugar das experiências descompromissadas. No velho hall público, não ficamos mais imunes. Precisamos “perder o pé”, inventar novos deslocamentos e estratégias vivenciais. Vemos paredes negras de dois metros e quarenta de altura, um movimento sinuoso se anuncia, mas a visão do conjunto é negada. A estrutura se impõe, prestes a nos engolir, convidando-nos a penetrá-la. Só nos resta prosseguir, valendo-se de nosso corpo e de um percurso. Passamos pelo ponto de transição, momento em que somos “espremidos” [squeeze] entre escultura e arquitetura. Uma

“colisão molecular”, diria o artista. Ao primeiro choque sobrepõe-se um segundo, quando, entre a surpresa e o desapontamento, constatamos que as paredes da grande sala estão “vazias”. Contudo, parte da obra ocupa silenciosamente o espaço, “retalhada” pelas colunas de pedra. Uma visão aérea revelaria sua típica configuração, sinuosa, lembrando as construções sensuais de um Jean Arp. Não sem certa ironia—e talvez alguma crueldade—o artista nos retira o prazer da visão desta forma, oferecendo-nos apenas um espaço a percorrer, e a visão de seu próprio trabalho retalhado por colunas de pedra, mais uma vez negando-se a se entregar em sua totalidade.

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[Texto publicado no livro Gustavo Rezende: Uma antologia por Tadeu Chiarelli. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.]

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