Gustavo Rezende
Felipe Chaimovich
Na foto intitulada O paradoxo de Thompson Clark ou os pesadelos de Mark, Gustavo Rezende mostra dois autorretratos. Ele e seu duplo defrontam-se entre restos de guerra. Em punham troféus de uma noite de King-Kong: aviões abatidos, mumificados por tiras látex negro. O azul das roupas de piloto e um fundo branco acabam de equilibrar a imagem dos belicosos. As duas figuras são assimétricas, criando uma relação dramática entre si. A da direita e a da esquerda diferenciam-se por letras exibidas n gorro de cada uma à maneira de emblema. “e”, de um lado, “f” de outro. Desconfiadas, evitam o cruzamento dos olhares. Céticas, suspendem declarações sobre o sentido de seu encontro. Caladas, cogitam na existência do mundo exterior e em amores inóspitos.
A estilização publicitária é buscada pelo artista, tanto na composição das imagens quanto nas características materiais do objeto. A pose hierática e o mutismo arrogante dos pilotos sugerem um slogan de produtos viris e contemporâneos; as dimensões naturalistas da impressão sobre papel e a montagem industrial, o impacto dos cartazes efêmeros. Gustavo Rezende retorna, assim, às construções bipartidas que se completam com um título eloquente—característica de sua obra anterior. Nas esculturas e pinturas daquela fase, formas abstratas duplicadas ganhavam títulos poéticos indicando possíveis associações figurativas: O imperador e seu dorso, O observador e o ponto de fuga.
O título com função esclarecedora da forma é, porém, abandonado nos autorretratos. O nome torna-se hermético, referindo-se apenas a vivências privadas do autor. Thompson Clark e seu paradoxo, Mark e seus pesadelos. Desse modo, a imagem é contaminada pela estranheza de sua designação. Gustavo Rezende explora, assim, o abismo comunicativo entre o sentido subjetivo dos títulos e a compreensão pública das obras. Entre paradoxo e pesadelo, a obra nega ao espectador qualquer esclarecimento discursivo sobre a cena. Apenas o atormentado Mark parece perceber o que anunciam os aviadores.
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[Texto publicado no livro Gustavo Rezende: Uma antologia por Tadeu Chiarelli. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.]